quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Bandeira da Solidão

Bandeira tomava leite,
Eu tomo uísque.

Bandeira achava que iria morrer,
Eu tenho certeza.

Meu tormento e o de Bandeira
São até parecidos: morte.

Será que a consciência da morte
Nos leva a não viver?
Não creio.
Vivo mais do que posso,
Sinto mais do que deveria.
Ando pelas ruas amando, andando
Muito mais do que poderia.

Mas este poema não merece rima,
Tampouco merece coisa alguma.
Este poema é desabafo,
É vida não vivida,
É tormenta com sol a pino,
É puro desespero,
É, talvez, redenção.

Este poema poderia ser sem fim,
Mas se sem fim fosse
Não seria solidão.


De Dor e de Mel

Trazes nos peito a dor
de um parto que partiu
deixando em pedaços
aquilo que já foi inteiro,
tornando em saudade
a mais terna realidade.

Trazes nos olhos a luz
que jamais se perde,
a esperança no amor
e o orgulho de uma flor.

Tens estampada na alma
alegria e desilusões,
uma fina e grave brisa
que te faz ir em frente.

Tua beleza é íntegra como o sol,
que sem vaidade deixa que gravitem
à tua volta aqueles que te querem bem,
qual a flor permite seu néctar às abelhas.

És mel, amiga,
doce e loucamente
atrevida.


Destino

Eu amanheço poeta
e durmo homem.

São minhas entranhas
que me fazem assim.
Tenho dores,
horrores,
amores,
tremores,
suores,
angústias vãs
também tenho.
Sinto falta,
sinto a distância,
sinto próximo,
sinto a fragrância.
Me falta a alma –
por vezes –
me falta o seio,
me falta a língua,
a saliva nunca me falta.
Trago os pés na cabeça,
a cabeça no peito,
o peito na pele,
a pele à flor.

Mas nada muda:
amanheço poeta
e durmo homem.


Identidade

Sou um poeta
cansado e cansativo,
acordado, adormecido,
mas sou um poeta.

Sou aquele sem medida,
sem freio, sem paciência,
aquele que quer agora
na mais pura indecência.

Sou aquele abandonado,
que no abandono se refresca,
o que se banha no seco
e mergulha numa fresta.

Sou aquele que partiu
antes do adeus,
porque não há morte maior
do que não me ver nos olhos teus.

Sou aquele que segue
nas ruas vazias e frias,
estou nas esquinas,
estou em todas as vias.

Sou aquele que encontras
e finges não ver,
sou o retrato de mim mesmo,
o espelho do meu viver.

Sou um poeta
triste e tristonho,
que se nega ao possível
e o impossível te proponho.

Sou aquele que caiu do teu peito
feito uma folha morta
que voa ao sabor do vento
e não mais te importa.

Sou aquele que sangra a saudade,
sou aquele que ama tua liberdade,
sou aquele amor bendito,
antes eterno, agora finito.

Sou apenas um poeta,
nada mais que um poeta.



Morto Vivo

Se não fores capaz de regar o amor,
não o plante no peito de ninguém.
Você parte e ele permanece vivo
- Deus do céu, como dói, amém



Ninar

Teus mistérios
tornam a noite inquieta.

Poetas murmuram poemas,
profetas tentam te adivinhar,
mas és a imprevisível mulher
e teu verbo é ninar.

Ninas de corpo e alma
a inquietude que mora
em tua serenidade.

Ninas os olhos que te veem
de forma a torná-los agitados,
ávidos pelos teus.

Ninas a boca que te quer
com tua saliva que é quase
o mar em alta maré.

Ninas o homem prometido
no íntimo do teu corpo
onde a loucura habita.

Ninas e depois foges pelas ruas
tão nuas quanto puras,
tão nuas quanto escuras,
tão nuas quanto tuas.

De repente a luz se faz,
a noite adormece,
e agora, quem nina e me aquece?

Teus mistérios
tornam a noite inquieta,
os dias radiantes,
minha alma alerta,
aberta e receptiva
ao teu eterno ninar.

Então ninas a ti mesma,
teu plural é singular,
és o mais puro amor
és o mais puro amar.


O Tempo e o Poeta

O que diferencia o poeta
de quem não é poeta
chama-se tempo.

Não o tempo do relógio -
esse existe e é inglês.

Mas o tempo que não passa,
o tempo que já passou,
o tempo que vai passar.

Estes são os tempos do poeta,
presentes em versos,
passados a limpo em poemas,
sangrados em um futuro muito próximo
e sempre mais que imperfeito.



Partida

Parta,
mas não sem antes
esquecer de dizer adeus.

Há momentos em que
as despedidas já se fizeram,
e a palavra final não é necessária.

Parta,
mas não sem antes
levar um pouco de mim.

Seria demais saber
que te foste
e eu fiquei inteiro e só.

Parta,
mas não olhes para trás:
teu arrependimento não quero por herança.

Mas se um dia a volta rondar teu peito
de forma intensa ou fugaz,
parta novamente e não roube minha paz.


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Impassível Desencontro


Não sei adivinhar a noite,
tampouco o que o dia me reserva:
se é paz, não sinto;
se é angústia, pressinto.

Sou apenas mais um
que anda solitário pela vida:
se ela me quer, não veio;
se não me quer, anseio.

Vago como quem flutua
entre navios perdidos:
se me achei, não vi;
se me achares, morri.


Poema do poeta Morto


quando eu me for
não me enterrem
em cova rasa ou funda

façam-me pó
que ao pó voltaremos
e me joguem ao pé do jasmineiro
que tudo sabe de mim

lá minha eternidade terá paz
cheia de cuidados especiais
perfumada pelo vento
amparada e nada mais

quem disse que mais quererei
serei saudade, não mais homem
despido de orgulho
plebeu e meu próprio rei

deixem-me ir  sereno
que sereno é a lágrima da noite
molhando a folha da planta
do jardim que me encanta


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O Pescador


pescando estrelas
vai o poeta pela beira do rio

- é o seu rio

espelho d’água onde
namora a lua
tão ondulada cá embaixo
que nem parece boiar lá no céu

pito aceso
que é o jeito de ter companhia
e poder suspirar
sem que ninguém perceba

o som leve das pequenas ondas
são música pra quem desde cedo
esgrima um caniço
como se fosse o cetro de um rei

mas para pescar estrelas
o poeta dispensa os acessórios

apenas deita na pequena prainha
e com os olhos descansados
cerrados para o mundo
abre a janela da alma
que dá para o coração da sua amada

quem acredita em distância

jamais será um pescador de estrelas


Piação


se falo de passarinhos
não é que ache a vida
tão bonita assim – embora ache
mas eles me escolheram
me tiraram pra amigo
e acabei me tornando
íntimo de seus pios e de seus voos

passarinho disputa comida
mas come apenas o necessário

canta bonito pro mundo
não esperando aplauso
- conhece profundamente seu papel na natureza

voa pelo prazer de ser livre
e não tenta impor seu modo de voar
a outro companheiro de asas

urubu-rei limpa a trilha feita de morte
bem-te-vi rouba ninho por sobrevivência
quero-quero avisa a chegada
curió canta sua dominância
tico-tico ara o chão
azulão alimenta sua amada
o coleirinho é quase viuvinha
a sabiá-laranjeira canta feliz antes do sono

já o homem
que não tem pena
quer que o tuim venha no dedo

Deus tinha suas razões para nos fazer sem asas